O Dia das Mães, celebrado hoje, é uma data fundamental para debater a questão da maternidade no mercado de trabalho. Apesar dos avanços na legislação brasileira, as mães trabalhadoras ainda enfrentam dificuldades no ambiente de trabalho, por conta da dupla jornada, da discriminação, do preconceito, da desigualdade salarial e até mesmo pelo desconhecimento de direitos por parte de muitos empregadores.
A matéria divulgada hoje pelo TRT-MG refere-se a um processo decidido pela juíza titular da 1ª Vara do Trabalho de Formiga, Carolina Lobato Goes de Araújo Barroso, e que mostra a dura realidade vivenciada pelas mulheres no mundo do trabalho, em razão da maternidade.
De acordo com a decisão, um restaurante da região Centro-Oeste do estado foi condenado a restituir os 15 dias de trabalho não abonados de uma balconista. Ela teve os dias descontados ao ficar afastada do serviço, mediante atestado médico, para cuidar da filha, com problemas de saúde relacionados à alergia a suplemento lácteo.
Segundo a balconista, o afastamento teve início em 13 de junho de 2023. Ela alegou que apresentou o atestado, mas o documento não foi aceito pela empregadora, que acabou promovendo o desconto dos dias respectivos. Por isso, pleiteou a restituição judicialmente.
A empregadora contestou, na defesa, a alegação da profissional, salientando que o atestado não foi apresentado e que sempre abonou as faltas dela no curso do contrato. Destacou ainda que o atestado juntado com a inicial não se refere à saúde da própria trabalhadora, mas sim à saúde da filha, não podendo, por isso, abonar as faltas daquele período.
Ao decidir o caso, a juíza de 1º grau reconheceu que a trabalhadora apresentou atestados médicos em várias ocasiões, sendo que, em todas as oportunidades, houve o respectivo abono pela empresa. Constatou ainda que o atestado, datado de 13 de junho de 2023, foi emitido por uma médica pediatra, relatando a necessidade de a reclamante se afastar das atividades laborais, por um período de 15 dias, para suprir as necessidades nutricionais da filha de seis meses de idade.
Segundo a julgadora, impõe-se, a partir da presente hipótese, o julgamento com perspectiva interseccional de gênero e raça, pautando-se pelo protocolo de julgamento elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 492 de 2023, que estabeleceu diretrizes para adoção por todos os órgãos do Poder Judiciário.
“Embora não haja previsão específica na CLT sobre a questão, existe normatividade internacional farta a amparar o pleito, seja pela aplicação da Convenção para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW); pela Convenção 103 da OIT, denominada Convenção sobre o Amparo à Maternidade, ou pela aplicação do Protocolo 492 do CNJ para Julgamento com Perspectiva Interseccional de Gênero e Raça”, ressaltou.
Isso porque, segundo a magistrada, a “perspectiva de gênero implica reconhecer e considerar as desigualdades e as discriminações em razão do gênero, notadamente no mundo do trabalho, buscando neutralizá-las a fim de se concretizar a igualdade substantiva”.
Na sentença, a juíza ressaltou considerações da Convenção para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher. “Relembrando que a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participação da mulher nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural do país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço ao país e à humanidade”, diz o texto da Convenção para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, destacado pela juíza.
Quanto à Convenção 103 da OIT de Amparo à Maternidade, a juíza ressaltou na sentença o Artigo III e numerações subsequentes, que preveem o direito à remuneração e amparo à mulher em casos de licença-maternidade e atestados médicos decorrentes de doenças ou cuidados decorrentes da gestação. “Toda a teleologia da norma internacional volta-se a situações relacionadas à maternidade e à proteção contra medidas discriminatórias, especialmente considerado o panorama mundial de divisão sexual do trabalho, cujo ônus recai incontestavelmente sobre a mulher e o dever de cuidado com os filhos”, diz o texto da norma.
Para a juíza, o fato é que um bebê de seis meses é a própria extensão da figura da mãe, porque dependente dela totalmente, especialmente nos casos em que se requer cuidado médico e materno específico.
“Não por outras razões, a discriminação agrava-se com maior ênfase a se considerar a condição social da trabalhadora, cozinheira, pessoa simples e remunerada com valores próximos ao salário-mínimo, que por óbvio não a possibilitam delegar o dever de cuidado com o filho, mediante remuneração de terceiros. Apresenta-se notadamente discriminatória a conduta patronal, a se considerar que, se adoentada, a trabalhadora teria os dias abonados, mas na condição de mãe de recém-nascido teve os dias descontados, mesmo com atestado médico neste sentido. Fica nítida a dura realidade vivenciada pelas mulheres no mercado de trabalho em razão da maternidade”, ressaltou.
No entendimento da magistrada, o atestado médico apresentado pela trabalhadora deve ser lido sob a ótica do Julgamento sob a Perspectiva de Gênero e Raça, sobre o qual uma trabalhadora que, necessariamente, teria os dias abonados por motivo de doença própria, igualmente o terá pela necessidade especial da filha de seis meses.
“Isso levando em conta o dever de cuidado da mãe e todo o aparato normativo citado, não só de proteção à maternidade, como de formas de eliminação da discriminação contra a mulher, na condição de mãe”, concluiu a juíza, condenando o restaurante ao pagamento de 15 dias de trabalho não abonados por atestado médico, no período de 13 a 27/6/2023. Há recurso aguardando a data de julgamento no TRT-MG.