André Viana

Ação Civil Pública foi movida pelo Ministério Público do Trabalho por ter a mineradora cerceada a atuação do sindicato na cobrança de pagamento de horas “in itinere” devidas aos trabalhadores da mina de Conceição do Mato Dentro

Por decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), 3ª Região, 11ª Turma, em acórdão confirma a condenação de primeira instância, proferida em sentença da Justiça do Trabalho da Comarca de Guanhães, da mineradora Anglo American por conduta antissindical cerceando a defesa pelo Sindicato Metabase dos interesses coletivos dos trabalhadores da mina em Conceição do Mato Dentro.

Por consequência, a multinacional de mineração terá de pagar R$ 15 milhões de indenização coletiva por propor acordo extrajudicial individual, além de assediar os trabalhadores aos quais deve esse pagamento, cerceando a ação sindical.

Na sentença, foi acentuada a autonomia e a prerrogativa do Sindicato Metabase de Itabira ao representar os trabalhadores nas negociações do pagamento das horas “in itinere”, que é o tempo que se gasta no deslocamento até o posto de trabalho e na volta para casa – e que são devidas pelo empregador.

A confirmação da sentença de primeira instância confirmada pelo TRT foi publicada em 29 de setembro, com efeito imediato.

O descumprimento de quaisquer das obrigações impostas na sentença sujeitará a empresa ao pagamento de multa no valor de R$50 mil, acrescida da quantia de R$20 mil por trabalhador prejudicado, sob qualquer forma.

As multas, assim como a indenização já aplicada, serão revertidas ao Fundo Especial Ministério Público do Estado de Minas Gerais (Funemp).

Ilegalidades e assédio

Ao atropelar as atribuições do sindicato, com o claro objetivo de enfraquecer a luta da categoria, a mineradora, buscava negociar, individualmente, o que é por ela devido.

Essa conduta da empresa foi considerada ilegal, o que levou o Ministério Público do Trabalho a propor a Ação Civil Pública. Isso por ter constatado que a empresa atropelava as atribuições do Metabase, configurando em prática antissindical.

Práticas antissindicais são “ações das empresas que têm como objetivo dificultar a organização dos trabalhadores em sindicatos e centrais sindicais”.

Essas condenáveis condutas patronais incluem perseguições a trabalhadores, com assédios e ameaças de demissão que visam desencorajar as reivindicações por direitos trabalhistas.

Foi com essas premissas que a sentença dos desembargadores da 11ª Turma da 3ª Região do Tribunal Regional do Trabalho condena a mineradora a se abster dessa conduta, ao reconhecer a legitimidade do sindicato ao propor a ação coletiva de indenização pelas horas que devem ser pagas e que foram gastas entre o domicílio e os locais de trabalho, assim como pelo retorno do trabalho para casa.

Jurisprudência

Segundo André Viana, a decisão é importante para toda a classe trabalhadora e cria jurisprudência sobre o papel dos sindicatos nas negociações coletivas de pautas de interesse da categoria.

“A Anglo American tem a sua origem na Inglaterra, berço do capitalismo e da luta de classes, com as precárias condições de trabalho e de sobrevivência. É também berço da luta sindical”, acentua o sindicalista, lembrando que a mineradora desconhece toda essa história.

“A empresa se comportou de forma acidiosa contra os trabalhadores, incentivando-os a contratar advogados particulares para homologar acordos individuais, rechaçando os trabalhos coletivos do sindicato”, ele considera.

“Tal prática é agora condenada pela justiça do trabalho, com amplo reflexo na realidade trabalhista e sindical no país. A sentença reconhece a importância de nossa ação na defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores que representamos”, afirma André Viana.

A decisão ainda condena a mineradora a se abster, sob pena de reincidência, das práticas de interferência nos trabalhos do sindicato na defesa dos interesses da categoria, a exemplo das negociações do que é devido pelo não pagamento das horas “in itinere”.

“Nesse caso, a Anglo American se comportou de forma insidiosa contra os empregados, incentivando-os a buscar advogados particulares para homologar acordos individuais, tendo sido condenada ao rechaçar os trabalhos coletivos do sindicato”, acentua André Viana.

“Vários trabalhadores foram coagidos irresponsavelmente à época para anuir a tal arbitrariedade, o que não impediu a continuidade da ação sindical na defesa de seus interesses individuais e coletivos. A decisão tem amplo reflexo no mundo sindical, jurídico e mesmo acadêmico em todo o país”, salienta o presidente do Sindicato Metabase.

Saiba mais

Em 17 de novembro do ano passado, o Ministério Público do Trabalho ingressou com Ação Civil Pública Trabalhista contra a multinacional Anglo American Minério de Ferro Brasil S/A por conduta antissindical, ao entrar com múltiplas ações individuais, com o objeto de obter “solução consensual” diretamente com os empregados – e à revelia da entidade sindical, no caso o Sindicato Metabase de Itabira.

A proposta de acordo extrajudicial individual, “uniforme e indutiva”, apresentada pela mineradora implicaria em renúncia, por parte dos trabalhadores, de direitos já reconhecidos por força de ação já julgada e impetrada pelo sindicato Metabase.

Os valores para esse “acordo” foram considerados vis, nos termos do artigo 891, do Código de Processo Civil (CPC), empregado analogicamente, em comparação aos valores apurados em cálculo judicial.

A proposta patronal de acordo extrajudicial foi considerada desprovida de boa-fé e de lealdade processual, constituindo-se em empecilho à atuação do
sindicato na defesa dos interesses dos trabalhadores da mina de Conceição do Mato Dentro.

“Vislumbra-se ainda, em tal situação, estratégia de neutralização da ação sindical e de enfraquecimento do sindicato perante a respectiva categoria, o que configura dano moral coletivo, cujos efeitos extrapolam o âmbito dos substituídos para atingir toda a categoria representada pelo sindicato, ao debilitar a ação sindical e infligir-lhe descrédito, além de comprometer-lhe a representatividade”, considerou o desembargador Antônio Gomes de Vasconcelos, relator da 11ª Turma do TRT.

O objetivo patronal era o de afastar o sindicato Metabase das negociações coletivas em andamento de cobrança das horas “in itinere” não pagas pela mineradora Anglo American, obrigando os trabalhadores a aceitarem acordos individuais por valores abaixo do que é devido, desistindo da unificação das ações coletivas.

Com a proposta e julgamento da Ação Civil Pública, esses objetivos patronais não prosperaram. Isso por configurar risco de “repetição futura das ilicitudes constatadas, especialmente no que diz respeito ao direito constitucional à liberdade sindical dos empregados da demandada”.

“No caso em análise, a probabilidade do direito restou amplamente
comprovada, na medida em que demonstradas as práticas antijurídicas da ré, a atentarem contra a liberdade sindical dos seus empregados, as quais se mostraram, inclusive, eivadas de má-fé”, foi o que se comprovou na Ação Civil Pública.

Obrigações de fazer e de não fazer

Na sentença de primeira instância, confirmada pelo TRT, foi concedida tutela inibitória de urgência, condenando a Anglo American às seguintes obrigações de fazer e de não fazer, independente do trânsito em julgado desta decisão:

1) abster-se de propor, solicitar, induzir ou exigir de seus empregados ou ex-empregados o ajuizamento de processos de homologação de acordos extrajudiciais para o recebimento de verbas trabalhistas, que sejam objeto de ações coletivas propostas pelo sindicato profissional;

2) abster-se de utilizar o processo de homologação de acordo extrajudicial
para promover a quitação de verbas sobre as quais não haja efetiva transação (concessões mútuas, nos termos do art. 840 do CC);

3) abster-se de utilizar o processo de homologação de acordo extrajudicial
para promover a quitação plena e geral de quaisquer verbas trabalhistas;

4) abster-se de solicitar, induzir, exigir ou propor a pactuação de acordo extrajudicial a todos os empregados ou ex-empregados, em autêntica proposta de adesão coletiva e de massa, sem que haja participação efetiva e concordância do sindicato profissional, mediante acordo ou convenção coletiva;

5) abster-se de orientar os trabalhadores a contratar advogado para pactuação de acordo extrajudicial proposto a todos os empregados ou ex-empregados, em autêntica proposta de adesão coletiva e de massa, sem que haja participação efetiva e concordância do sindicato profissional, mediante acordo ou convenção coletiva;

6) Solicitar e admitir a participação do sindicato em todos os processos de homologação de acordo extrajudicial, fundado em proposta oferecida a toda categoria profissional, em autêntico plano de adesão coletiva e de massa, sob
pena de nulidade do negócio jurídico e caracterização de ato antissindical;

7) abster-se de praticar atos antissindicais consistentes em induzir, ameaçar ou constranger os trabalhadores a não conversarem com representantes ou advogados do sindicato, a respeito de proposta de adesão coletiva e de massa, relativa ao pagamento de verbas trabalhistas.

O TRT fixa ainda, para o caso de não cumprimento dessas obrigações, o pagamento de multa no valor de R$ 50 mil, que deverá ser acrescida da quantia de R$ 20 mil por trabalhador prejudicado, sob qualquer forma, revertendo-se ao Fundo Especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais – FUNEMP.

Danos morais coletivos

Pelos danos morais coletivos relativos às condutas antissindicais praticadas pela Anglo American, e que havia sido julgado improcedentes na ação inicial, o TRT acatou o pedido do Ministério Público do Trabalho, por encontrar amparo nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002, concomitantemente com os artigos 5º, X e 7º, XXVIII, da Constituição da República.

Foi considerado ainda que, no plano subjetivo, a responsabilidade civil se configura quando decorre de ação ou omissão do agente causador do dano, por dolo ou culpa. “Em face da relevância dos bens jurídicos violados e da amplitude coletiva das práticas ilícitas, com lesão aos interesses transindividuais, torna-se pertinente a reparação do dano moral coletivo, direcionando institutos jurídicos da responsabilidade civil para a defesa de bens da coletividade ou de valores reconhecidos como de grande relevância para a sociedade, que extrapolam a esfera do interesse individual de cada trabalhador lesado”, foi o que julgaram procedente os desembargadores Antônio Gomes de Vasconcelos (relator), Marcos Penido de Oliveira e Juliana Vignoli Cordeiro (presidente).